terça-feira, 24 de março de 2009

Lendas, Mitos e curiosidades acerca dos ofídios

As serpentes são, de longe, os animais mais comuns nas crendices populares, sendo geralmente associadas a idéias pejorativas, como traição, perversidade e maledicência, são, na sociedade de base judaico-cristã, tratadas como seres que devem ser evitados. Por outro lado, em boa parte do mundo oriental, em especial no meio hinduísta, as serpentes são tidas como símbolos de características positivas e são tratadas com respeito.
No Brasil, como em todo o Ocidente, o único modo eficaz de diminuir o preconceito existente contra serpentes, lagartos, jacarés, sapos, morcegos, piranhas, tubarões, aranhas, escorpiões, lesmas, corujas, urubus e outros animais estigmatizados, é a Educação Ambiental. Eliminar esse preconceito é praticamente impossível, já que possui raízes culturais; minimizá-lo, porém, é parte do dever de todos os que se pretendem "ecologistas" ou defensores da natureza.
Pessoas ligadas a unidades de conservação, profissionais que lidam com estudos de campo e professores do ensino fundamental e médio, freqüentemente ouvem histórias sobre a vida das serpentes e suas façanhas. Parte desses relatos espontâneos nos parece imediatamente descabida de sentido biológico, mas uma grande fatia dessas narrativas deixa os menos informados em dúvida quanto à sua veracidade, ainda mais quando o indivíduo que os relata afirma ter vivido atentamente os fatos. As serpentes têm uma vida secreta e misteriosa para a maioria das pessoas; pelo fascínio que exercem, são facilmente mistificadas e mitificadas. Para auxiliar no discernimento dessas "histórias de matuto" ou "do vovô", são criticados a seguir alguns dos mitos que circulam no Brasil, em especial pelo Paraná:
  • A cobra mais venenosa do Mundo é outro conceito extremamente relativo, uma vez que ainda não se desenvolveu um método eficiente de comparação entre os venenos ofídicos a ponto de se indicar a merecedora desse nefasto título. Isso se deve porque ninguém realmente sério se preocupa com tal tolice. Contudo, levando-se em conta a rapidez dos efeitos nocivos ao homem, a alta letalidade e a freqüência de acidentes fatais, devem levar a fama de mais venenosas as taipãs australianas (gênero Oxyuranus, da mesma família das nossas corais verdadeiras). Há que se lembrar, contudo, da brasileira Bothrops insularis (da família das víboras), um caso especial - uma espécie existente apenas em uma ilha do litoral paulista (Ilha da Queimada Grande) e que possui veneno muitas vezes mais potente do que o veneno de uma jararaca normal.

  • A maior cobra do Mundo é um conceito dependente da escala que se adote. Em comprimento, na média devemos esse título aos exemplares da espécie indiana Python reticulatus, que não raramente excede os dez metros. Em peso e diâmetro, porém, a campeã é a sucuri sul-americana Eunectes murinus, que de tão grande se mantém dentro da água a maior parte do tempo de sua vida.

  • Cobras não produzem ninhos, pelo menos não no mesmo sentido que o fazem as aves, os mamíferos e os jacarés. Em geral, a serpente progenitora deposita seus ovos ou pare seus filhotes e, assim que refeita, sai para cuidar da sua própria vida, abandonando-os. Os filhotes paridos, por sua vez, após um breve descanso adaptando-se à vida extra-uterina, também deixam o local de nascimento e desde cedo se viram sozinhos. Aparente "cuidado parental" (ou seja, a prole sob a proteção da mãe por alguns dias) foi observado em algumas cascavéis dos Estados Unidos e talvez ocorra em outras cobras.

  • Cobras não mamam. Na verdade o leite não constitui alimento para as serpentes pois elas não produzem enzimas que o aproveitem. Também não possuem músculos aptos a sugar (mamar), pois esta é uma característica dos mamíferos, como o próprio nome indica. A origem deste mito está entre os escravos de origem africana e é reforçada pelo líqüido branco e viscoso que sai do ventre de cobras prenhes quando elas são mortas por esmagamento ou forte pancada. Os escravos que trabalhavam em ordenha costumavam desviar parte do leite obtido nos dias em que tinham a sorte de encontrar uma cobra grande qualquer pela frente. A serpente era morta e levada ao feitor como sendo a culpada pela pouca quantidade de leite retirado da vaca. Na verdade essa era a única forma de certos escravos poderem dar leite a seus familiares.

  • Cobras não têm chifres. As que comem sapos, rãs e pererecas, os engolem pela cabeça e com o ventre voltado para cima. As patas traseiras do anfíbio, como conseqüência, se distendem para cima e para a frente, dando a impressão de "chifres".

  • Cobras não andam aos pares. É o velho temor do matuto, de que "onde se matou uma, deve-se ter cuidado que a sua companheira deve estar rondando por perto". Cobras só se encontram na época da reprodução e a sua cópula dura, no máximo, dois dias. É só nessa ocasião que duas podem ser vistas juntas.

  • Cobras não silvam ou assobiam. Há até quem diga que elas "piam" e "cantam", mas quem produz esses sons são alguns animais caçados pelas serpentes, inclusive quando estão sendo ingeridos.

  • Cobras não soltam "bafos" que mancham a pele ou que sejam venenosos, como se fala da jibóia. Algumas expelem o ar de seu único pulmão quando estão irritadas e isso de fato assusta os incautos. Suas línguas, que na ponta são divididas em duas partes (diz-se bífidas), também não possuem qualquer capacidade de passar veneno.

  • A única espécie que cospe o veneno (projeta-o para fora da boca por meio de uma abertura frontal em suas presas e não por algum tipo de "saliva") é a serpente africana Naja nigricollis. As cobras do Brasil nem mesmo babam.

  • As cobras não possuem veneno fora do aparato venenoso (glândula, ducto e presa), todo ele concentrado na cabeça do animal. Alguns falam da presença de um ferrão na cauda mas tal crendice se deve ao aspecto incomum do pênis das serpentes, que de fato localiza-se na cauda. Também não há veneno nos "espinhos" que aparecem em cobras mortas ou jogadas no fogo - são apenas costelas e vértebras, em número sempre elevado, que podem aparecer.

  • Agressividade e venenosidade não têm relação direta. Há cobras muito agressivas e não venenosas (como as jibóias, caninanas, boipevas, verdes, cipós, etc) e muito venenosas e não agressivas (como as corais verdadeiras).

  • Cobras não perseguem as pessoas. Podem, quando muito, se lançar na direção das pessoas dando a impressão de que as perseguem. Ao apavorado é a impressão de perseguição que fica.

  • Cobras não escolhem o último ou o quarto ou o quinto homem de um grupo que caminha em fila em uma trilha, para picá-lo. Isso se dá ao acaso, em função só da irritação do animal.

  • Cobras não deixam seu veneno em folhas à beira de rios, lagos, brejos e várzeas para entrar na água, "sugando-o" depois, de volta. O que ocorre é que, na água, as serpentes costumam ficar vulneráveis e dificilmente atacam, pois falta-lhes o apoio (o solo). E há espécies que comem ovos de anfíbios, moluscos e aracnídeos, colocados justamente em folhas à beira d'água, e que tem uma aparência viscosa, diferente de ovos de outros animais (parecem doce de sagu).

  • Lagartos nunca se transformam em cobras ou vice-versa. E também é impossível, biologicamente falando, que uma espécie de serpente se cruze com outra gerando uma terceira espécie ! Alguns crêem que do cruzamento de uma coral falsa com uma jararaca podemos obter uma coral verdadeira. É um grande absurdo, só possível em bruxaria ou ficção.

  • Não existem lagartos venenosos na América do Sul. Os únicos conhecidos no Mundo são os que ocorrem no sul dos Estados Unidos e norte e oeste do México e da Guatemala (Heloderma suspectum e Heloderma horridum, Família Helodermatidae). Em muitos lugares do Brasil se ouve casos de lagartos que, ao envelhecer, tiveram suas patas reduzidas até se tornarem serpentes. No Pantanal se diz que o Teiidae Dracaena paraguayensis é venenoso (recebe até o nome popular de lagarto-víbora). Mas não são reais.

  • O animal conhecido como quebra-quebra ou cobra-de-vidro é um lagarto sem patas e não uma verdadeira serpente. Não possui veneno, portanto. O que se quebra é a cauda do animal e as partes que se separam mantém-se, por algum tempo, se mexendo independentemente, devido a espasmos com origem no seu sistema nervoso. Depois de perdidas, essas partes apodrecem com o tempo, não sendo possível que se juntem formando um "novo" animal.

  • Cobras não têm poder para, abocanhando suas próprias caudas, adotar uma forma circular (de roda) e movimentar-se por "rodagem". Não há músculos e cérebro suficientes para tal. Isso é coisa de desenho animado!

  • Cobras não hipnotizam suas vítimas. Essa crença advém principalmente de observações mal interpretadas de pessoas que freqüentam nossas matas. Serpentes que se alimentam de aves, ovos ou anfíbios, muitas vezes se aproximam de suas potenciais vítimas sem que estas abandonem seu posto; algumas aves até mesmo se postam de bicos e asas abertas diante da serpente, mas não fogem. Em relação às aves, muitas vezes estamos apenas vendo pais que protegem ninhegos ou ovos, e em relação aos anfíbios, em geral esses simplórios seres não percebem a aproximação do inimigo de movimentos lentos e acabam virando refeição.

  • Tampouco existem serpentes que voam. Insetos como a jequitiranabóia é que mantém viva essa lenda. Em certas regiões do Brasil diz-se que ela é uma cobra muito venenosa e voadora, tão peçonhenta que quando pousa numa árvore, esta morre. São encontros fortuitos com o inseto pousado em árvores secas que permitem essa interpretação. A jequitiranabóia é um inseto da Ordem Homoptera (a mesma das cigarras), sugador de seiva vegetal e totalmente inofensivo aos animais e vegetais.

  • Não existem serpentes suficientemente pequenas que possam ser engolidas acidentalmente por pessoas, quando estas bebem água de fontes, bicas ou quedas d'água. O que existe é uma variedade imensa de vermes serpentiformes parasitas ou não, que habitam essas águas e as vísceras humanas. As menores serpentes ao nascer já são grandes demais para que alguém consiga engoli-las distraidamente.

  • Sucuris não engolem bois e nem mesmo terneiros. Nenhuma sucuri (a maior serpente do Mundo em peso e uma das maiores em comprimento) consegue atingir tamanho suficiente para engolir animais assim tão grandes, pois as serpentes não engolem "aos pedaços", mas sim a vítima inteira. Mesmo um ser humano adulto já é grande demais para 99% das sucuris e, embora uma pessoa pudesse caber na barriga dessas cobras, ela geralmente não passaria pela garganta. São desconhecidos casos reais de pessoas engolidas por sucuris. Fotos divulgadas na televisão, no jornal e na Internet, de um adolescente dentro da barriga de uma serpente, sobre um caminhão, são de um acidente com o pitão Pithon reticulatus, da Índia, e não com uma sucuri sul-americana.

  • Não existem pessoas naturalmente resistentes aos venenos das serpentes com peçonha fatal. Há quem foi picado pelas perigosas e não morreu, e há também os que foram picados pelas não perigosas e, obviamente, não morreram (mas pensavam ter sido picados por espécies venenosíssimas). Pessoas "especiais", porém, não existem.

  • Remédios caseiros, benzedeiras, curandeiros e outros xamãs semelhantes, em que se pese todo o valor cognoscitivo das culturas populares, podem servir como paliativos, mas nunca como curativos. Muitos procedimentos caseiros podem complicar gravemente o quadro de um acidentado, levando-o até mais rapidamente a morrer, em alguns casos. Só o soro salva.

  • Vale assinalar que, no Brasil, apenas cerca de 0,4% das pessoas ofendidas por serpentes peçonhentas vão a óbito, ou seja, morrem apenas 4 pessoas em cada 1000 acidentadas com as temidas jararacas, jaracuçus, urutus, cruzeiras, cascavéis e corais. Ou seja, os cães (os melhores amigos do homem) e as abelhas (comuns em livros infantis como um bichinho simpático) matam, no nosso País, tanto ou mais do que as serpentes. Nem por isso se sai pelas ruas matando cães e eliminando ninhos de abelhas! Por outro lado, qual é a atitude normal do brasileiro típico, ao encontrar uma cobra no caminho, na roça ou atravessando a estrada?

  • Se você mata uma serpente que aparece no quintal da sua casa, achando que, com isso, está defendendo seu território, sua família e seus animais de criação, não se esqueça de que quando você vai à mata, você é que está invadindo o "quintal" dos animais selvagens e, portanto, não tem o direito de matá-los.

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