domingo, 26 de abril de 2009

De Julio Verne aos aventureiros modernos

Em IV a.C, Aristóteles afirmou que a Terra era redonda e, um século depois, Erastóstenes desenhou o mapa-mundi e introduzir o conceito de coordenadas geográficas, expedicionários como Vasco da Gama, vários séculos depois, ainda tinham dificuldades para navegar, devido as distorções dos mapas que aumentavam muito perto dos pólos. A invenção de instrumentos de navegação, como a bússola, ajudou para o aperfeiçoamento das cartas. Mesmo assim, quando Cristóvão Colombo chegou à América, em 1492, ele jurava ter descoberto um novo caminho para as Índias.
Foram conceitos simples descobertos pela simples observação; a sombra da Terra na Lua durante um eclipse solar, afirmando com isso que a Terra era redonda, um novo horizonte se abriu e caía o paradigma de que se as pessoas navegassem pelos oceanos elas chegariam ao fim do mundo. Porém estavam abertas as grandes viagens ao redor do mundo, que começaram pelo mar. Encorajando navegadores a descobrirem novas rotas e aventurarem-se nos mares, como Fernão de Magalhães que, em 1522, descobriu uma passagem entre os oceanos Atlântico e Pacífico, hoje o estreito de Magalhães, no sul do continente latinoamericano. O caminho de 600 quilômetros de extensão por 6 quilômetros na parte mais larga passou a ser mais utilizado que o cabo Horn, no extremo-sul do continente, para passar de um oceano para o outro. Apesar de ter morrido durante a viagem, Fernão deixou uma enorme contribuição para os aventureiros de todas as gerações: sua frota foi a primeira a dar a volta ao mundo provando, definitivamente, a esfericidade da Terra.
Absorvido pela descoberta, e pelo entusiasmo das viagens, Julio Verne escreveu em 1873 o clássico A Volta ao Mundo em 80 Dias, uma ficção de aventura. A idéia de se lançar mundo afora ganhou fama, inspirando muitos viajantes. O protagonista do livro só levou a aposta - provando que era possível dar a volta ao mundo em 80 dias - porque sempre rumou para leste, ganhando assim 24 horas ao fim do trajeto, e que se elas rumassem sempre no mesmo sentido, voltariam ao ponto inicial - um motivo e tanto para instigar as pessoas a dar a volta ao mundo, como estão fazendo o inglês Karl Bushby, 39 anos (foto), e o norte-americano Harry Lee Mc Ginnis, 80. O especial na jornada deles é que ambos estão percorrendo o mundo a pé. Harry já rodou mais de 120 mil quilômetros desde 1982 e Karl 27 mil desde 1998.
Karl, da cidade de Yorkshire, confessa ter se inspirado no pioneiro das aventuras Julio Verne, mas não pretende completar a volta nos 80 dias propostos pelo escritor. Ele partiu do extremo sul da América do Sul em novembro de 1998 e pretende chegar à Inglaterra em 2014, depois de 60 mil quilômetros, quatro continentes, 25 países, seis desertos e um oceano.
O ex-militar, que teve a idéia de circundar o mundo quando tinha 11 anos, apostou na própria experiência de mais de uma década no Exército para realizar o feito. Quase sem apoio de patrocinadores, seguiu praticamente apenas com dinheiro do próprio bolso até a cidade de Punta Arenas, no Chile, para iniciar, sozinho, a viagem. Em seus já completados 27 mil quilômetros de caminhada, Karl passou por toda a América do Sul, a Central e a do Norte; e chegou à Rússia, atravessando do Alasca para a Sibéria através do estreito de Bering.
Aliás, Bering foi a fase mais crítica da viagem. Karl teve que atravessar as águas semi-congeladas do oceano Ártico caminhando sobre o gelo ou nadando entre placas quebradas. Por incrível que pareça, ele optou por fazer a travessia no inverno, período no qual poderia se mover mais rápido e ter menos chances de perder equipamentos e suprimentos na água. Mais incrível ainda foi que depois da empreitada - feita sem a ajuda de nenhum barco - ele precisou regressar para os Estados Unidos para renovar a permissão de estada na Rússia, que havia vencido antes da sua chegada. Mas depois ele voou até o mesmo ponto para continuar a jornada a pé.
Com ainda mais de 30 mil quilômetros a vencer, hoje o inglês tem alguns apoios e patrocínios, conseguidos graças a uma equipe em terra que lhe presta suporte. "Meu pai é uma peça-chave, pois me convenceu a escrever o diário da expedição. Sem ele e o resto da equipe eu ainda estaria no México, esperando pela minha próxima refeição, e não teria condições de cruzar para a Rússia, já que lá precisei de suporte como GPS e telefone via satélite", conta Karl.
Karl não começou a expedição em prol de uma causa maior - como chamar a atenção para o planeta -, e talvez por isso só tenha conseguido patrocínio depois de partir. Mesmo assim, ainda se recusa a converter a aventura num negócio lucrativo. "Quero que a viagem tenha méritos por si só. Se conseguir influenciar uma pessoa, então a expedição já terá valido", revela. O inglês, que pretende escrever um livro, não se sente herói pelo feito. "Herói é aquele que arrisca a vida pelos outros. Essa palavra não se aplica para aventureiros, astros de TV ou jogadores de futebol", completa.
O norte-americano Harry Lee Mc Ginnis, 80 anos, começou sua caminhada em 1982. Sem o objetivo inicial de dar a volta ao mundo, Hawk, como é chamado, percorreu em quatro anos os 50 estados de seu país, incluindo o Havaí, num total de 22 mil quilômetros.
Depois de conquistar os EUA, Hawk seguiu para a Irlanda. Recém-separado, depois de atestar que a esposa não bateria perna ao seu lado, ele partiu para a Europa, Oriente Médio e outras regiões do continente americano. Em 18 anos de estrada, Hawk já rodou mais de 120 mil quilômetros, incluindo os Estados Unidos. Atualmente ele está no Panamá, e o final da peregrinação - em 2010, quando tiver 82 anos - deve ser no estado do Texas, onde começou a aventura.
Hawk conta que o segredo para o sucesso da viagem é, principalmente, ser flexível: "Aprendi a estar preparado para o inesperado e me desapeguei dos hábitos e dos costumes da cidade. Quanto mais pura a experiência, maior a liberdade", revela. E tal despretensão não significa falta de planejamento. Antes de sair pelo Texas, quando tinha 54 anos, ele treinava caminhando cerca de 15 quilômetros por dia com mais de 10 quilos nas costas. Gradualmente aumentou a distância e o peso até alcançar 40 quilômetros e 33 quilos, próximo à realidade da viagem.
Depois de terminada a volta ao mundo, Hawk quer jogar tênis até os 100 anos de idade. E ele dá dicas de como chegar saudável e com muita disposição aos 80: "Saia e veja o mundo. Não fique de frente pra TV depois de se aposentar, tomando cerveja e comendo sanduíches. Você só vai engordar".

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