domingo, 12 de julho de 2009

Uma questão de estilo

A escalada tem dois grandes estilos, que muitas vezes se fundem, o estilo livre e a ascensão artificial.
Com movimentos precisos e equilíbrio a escalada livre desenvolve o contato do corpo e rocha. Muito diferente da escalada artificial leva em conta o perigo que determinado trecho representa para o guia.
Fatores como qualidade da proteção e da rocha, equipamento disponível, fator de queda e possibilidade de aterrissagem, são o que contam. Então, o que diferencia um A1 de um A5 é que se você cair num A1 não vai se machucar, mas se cair no final de uma enfiada de A5, vai morrer. Parece insano, mas a ética e o comprometimento são diferentes nas grandes paredes, e isso tem que ser respeitado, quando levamos em conta que nosso esporte busca não só o desenvolvimento físico, mas também o psicológico. Caso contrário, as vias em artificial seriam todas iguais: seria apenas uma subida de degrau em degrau. Então a opção por não grampear uma enfiada de A5, transformando-a num A3 ou menos, é um jogo no qual o guia busca seu limite psicológico.

Lógico que perigo é subjetivo e também depende do preparo, perícia e conhecimento do escalador. Para quem não está acostumado com a sensação de insegurança que muitas peças transmitem - ou ainda não possui o devido conhecimento, e se falando em graduação técnica, um A3 pode parecer tão mortal quanto um A5. E acredito que pode até via a ser, na medida em que o grau é aferido por escaladores que possuem o conhecimento técnico e dominam a engenharia das colocações difíceis e criativas. Portanto, um escalador bem preparado e experiente, conseguirá se proteger muito melhor que um novato na mesma enfiada. Por esta razão, é que é importante se preparar e adquirir conhecimento antes de entrar em rotas que mesmo de nível médio (até A3), podem virar um pesadelo para quem não tem a devida técnica e preparo psicológico.

Veja como funciona a graduação em progressão artificial:
A0: Pontos de apoio sólidos ("à prova de bomba") isolados ou em uma curta
Seqüência, com pouca exposição; pêndulos; uso da proteção para equilíbrio ou
descanso; e tensionamento da corda para auxílio na progressão;
A1: Peças fixas ou colocações sólidas de material móvel, todas elas fáceis e
seguras, em uma seqüência razoavelmente longa;
A2: Colocações de material móvel geralmente sólidas, porém mais difíceis. Algumas colocações podem não ser sólidas, mas estarão logo acima de uma boa peça. Não há quedas perigosas.
A2+: Como o A2, mas com possibilidade de mais colocações ruins acima de uma boa. Potencial de queda aproximado de 6 a 9 metros, mas sem atingir platôs. Pode ser necessária uma certa experiência para encontrar a trajetória correta da escalada.
A3: Artificial difícil. Possui várias colocações frágeis em seqüência, com poucas proteções sólidas. O potencial de queda é de até 15 metros, equivalente ao arrancamento de 6 a 8 peças, mas geralmente não causa acidentes graves. Geralmente são necessárias várias horas para guiar uma enfiada, devido à complexidade das colocações.
A3+: Como o A3, mas com maior potencial de quedas perigosas. Colocações
frágeis, como cliffs de agarra em arestas em decomposição, depois de longos
trechos com proteções que agüentam somente o peso do corpo. É comum que
escaladores experientes levem mais de três horas para guiar uma enfiada.
A4: Escaladas muito perigosas. Quedas potenciais de 18 a 30 metros, com perigo de se atingir platôs ou lacas de pedra. Peças que agüentam somente o peso do corpo.
A4+: Como o A4, mas são necessárias várias horas para cada enfiada de corda. Cada movimento do escalador deve ser calculado para que a peça onde ele se encontra não seja arrancada apenas com o peso do seu corpo. Longos períodos de pressão psicológica.
A5: Este é o extremo, sob o ponto de vista técnico e psicológico. Nenhuma das
peças colocadas em toda a enfiada é capaz de segurar mais do que o peso do
corpo, quando muito. As enfiadas não podem possuir proteções fixas nem buracos de cliff.

O que não está escrito nos livros
Não importa o tipo de peça que você use para ascender. Para determinar o grau, interessa apenas o perigo. Portanto, uma enfiada com alguns cliffs e nuts “potencia” pode ser muito menos perigosa do que outra que tenha alguns rebites no meio de seqüências de friends ou pitons em rocha ruim.
É importante deixar claro que uma enfiada de A5 começa com um A1, depois A2... e mantendo a má proteção, até que no final, aos 50m, a queda fique tão perigosa que seja fatal.
Outra questão que deve ser notada é a de que vias em artificial são vias mutantes. Um A5 depois de algumas repetições pode se transformar em A4+ depois A4 ou até menos, por motivo da quebra de agarras de cliff (forçando furar buracos), expansão de lacas na qual eram instalados heads, alargamento de fendas onde se pitonava rurps e depois se consegue instalar um lost arrow... e por aí vai. Em Yosemite, costuma-se dizer que depois de 30 repetições é muito provável que um A5 se transforme em em A3.

Novos equipamentos, mais resistente ou que possibilitem uma proteção melhor, podem fazer com que o grau de uma enfiada também seja decotado (rebaixado).
Uma prática que visa preservar o grau é a técnica clean, onde a instalação de pitons com martelo é proibida. Pode-se apenas encaixar os pitons. Aí o grau, passa a ser o C, de clean, mas a maneira de graduar permanece a mesma: C1, C2... Uma enfiada possível de ser escalada clean se for pitonada cairá de grau. Na foto acima, o montanhista Wagner Pahl escala clean a primeira enfiada da rota Zodiac no El Capitan. Esta enfiada pode ser graduada em A2+ ou C3.
Como o assunto é extenso e as variantes e possibilidades infinitas, este post tenta dar uma luz apenas aos montanhistas que tem dúvidas a respeito desta graduação.
Eliseu Frechou

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